Justiça passiva
Esta semana a Justiça Federal em Mafra andou agitada devido a um conflito entre os índios e os fazendeiros da região de Itaiópolis/SC. Transcrevo abaixo trecho da nota de esclarecimento prestada pelo Diretor de Secretaria da Vara Federal de Mafra, Rodrigo Costa Medeiros, publicado no Jus Brasil:
“Em 2003, por meio da Portaria 1128 do Ministério da Justiça, foi ampliada a reserva indígena Ibirama Lá-Klanô, localizada nos municípios de Vitor Meireles, José Boiteux, Itaiópolis e Doutor Pedrinho, em Santa Catarina. Com isso alguns proprietários de terras na região propuseram uma ação na Justiça Federal de Joinville para discutir a validade da referida Portaria. Como há um conflito de interesses entre o Estado de Santa Catarina e a União, a competência deveria ser do Supremo Tribunal Federal (STF), em razão do conflito de interesses entre dois entes federativos. Com isso, foi feita a Reclamação nº3205, no STF, que avocou a competência deste processo para eles. O meio de demarcar essas terras é através de medições e outros métodos feitos pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que, inclusive, verifica quais proprietários serão indenizados. Ocorre que essa demarcação ficou suspensa em razão desta ação que está no STF. Com a “demora”, alguns índios começaram a invadir algumas terras, principalmente aquelas em que os proprietários estavam prestes a cortarem as madeiras plantadas por eles, sob a alegação de que as terras e as madeiras eram deles.”
Esta nota de esclarecimento foi necessária tendo em vista a grande atenção da mídia colocada sobre o caso e à impressão dada pela emprensa de que a justiça não estava fazendo nada. Um exemplo é o trecho abaixo, publicado pelo Diário Catarinense Online:
“… A Justiça Federal de Mafra, que tem a jurisdição da área, não definiu medidas que impeçam novos conflitos. O juiz federal substituto Adriano Vitalino dos Santos determinou, na segunda-feira, que a oficial de justiça fosse à região nesta terça-feira.
A visita foi cancelada porque a polícia não conseguiu efetivo para garantir a segurança dela.
Tramitam na Justiça Federal de Mafra dois processos sobre o caso, proibindo a entrada de índios em parte das terras para assegurar o direito aos proprietários. Eles fizeram boletim de ocorrência sobre o caso e pedem policiamento ostensivo na área….”
Ao ler esse trecho a impressão que me passou e, com certeza, para muitas pessoas, é que o responsável para resolver esta questão é a Vara Federal de Mafra, que não tomou as medidas necessárias para solucionar o conflito.
Seguindo a idéia de esclarecer questões de direito do cotidiano que as pessoas tem muitas dúvidas, quero aqui tratar sobre a passividade da justiça. Embora passividade pareça aos olhos da população má vontade da Justiça, essa é uma característica que busca garantir a imparcialidade das decisões. A verdade é que não cabe à justiça diante de um impasse agir sem ser provocada por uma das partes, pois estaria assim tomando partido de alguém, o que, como dito, vai contra a sua imparcialidade.
No caso em questão, quem procurou a Justiça Federal para que os índios não invadissem suas terras foram somente dois fazendeiros. Assim, todas as decisões tomadas pelo Juiz da Vara Federal de Mafra dizem respeito a esses dois processos e não lhe dá poder de interferir na questão maior da demarcação das terras indígenas.
O juiz fica limitado ao caso concreto. Independentemente dos índios terem direito ou não sobre as terras, enquanto a demarcação não for concluída e os proprietários atuais que forem atingidos por ela serem devidamente ressarcidos, os fazendeiros continuam sobre as terras e os índios não podem impedir isso.
Aí voltamos à uma questão já levantada anteriormente no nosso podcast: A justiça não socorre a quem dorme. Então, se você tem um direito lesado, não adianta ficar se lamuriando e não fazer nada: fazer nada, somente faz com que nada aconteça. A justiça age movida por quem toma uma atitude.
Agora, dando nomes aos bois:
O responsável para por fim ao impasse se a expansão da reserva indígena é válida ou não é o STF, que deve julgar a Reclamação 3205 acima citada.
Ultrapassada essa fase, caso mantida a expansão, o responsável por sua implantação é a FUNAI.
Mantida a expansão, o responsável pelo pagamento das indenizações às pessoas atingidas é a União, com o dinheiro que sai dos cofres públicos (nessa parte não acho a menor graça, pois vai ser uma bolada muito grande que vamos pagar).
O responsável por manter a ordem no local e realizar o policiamento ostensivo é a polícia. É ela que deve ser chamada em caso de descumprimento da ordem judicial de não invasão. É ela a responsável em manter a segurança.
Ah, aproveitando este post:
Para resolver questões de Imposto de Renda, fazer CPF e etc, procure a Receita Federal.
Para tirar passaporte, procure a Polícia Federal.
Para se aposentar, pedir auxílio-doença e etc, vá primeiro ao INSS.
Se você teve seu auxílio-doença negado pelo INSS, se você tem alguma questão envolvendo a União, suas autarquias (ex. INSS) ou empresas públicas (ex. CEF), procure um advogado. Tá, sua causa não vai passar de 60 (sessenta) salários-mínimos? Ok, pode procurar direto a Justiça Federal para esses casos. Mas embora o Juizado Especial permita, eu não aconselho ninguém a ingressar em juízo sem advogado.
As pessoas confundem muito qual o papel da Justiça Federal. A verdade é que a grande maioria dos conflitos são de competência da Justiça Estadual e a Justiça Federal acaba muitas vezes confundida com os outros órgãos federais acima citados.
Uma forma simples de explicar para as pessoas quais as causas que devem ser propostas na Justiça Federal que utilizamos é dizer que ali tratamos das causas envolvendo a União. E isso me lembra uma anedota de um colega de trabalho:
“Outro dia adentrou à justiça uma senhora, aparentanto uns 60 anos, de modos simples. Tinha vindo à Justiça Federal pois estava com problemas com seu irmão que a destratava. Nisso, meu colega Márcio lhe diz: Minha senhora, aqui nós cuidamos somente das ações envolvendo a União. Não podemos ajudá-la com a briga da senhora com seu irmão. Então a senhora lhe retruca: Mas então! O problema entre meu irmão e eu é falta de união!”
Saiba mais:
Reforçado policiamento na região de conflito entre índios e agricultores em Santa Catarina