Os doentes mentais e o resto de nós
Fico pasma ao ver na imprensa casos como o atirador de realengo ou a mãe que abandonou seu filho numa caçamba de lixo. Pasma pela reação dos ditos “cidadãos comuns”, que clamam por pena de morte, e, em turba, são capazes até de linchamento. Todo mundo se acha no direito de julgar e condenar.
Não virei aqui com aquele papo de “vítimas da sociedade”. Praticou um crime, que a Justiça tome as devidas providências. O problema são os especialistas de plantão nas redes sociais e na mídia, que tratam de botar o carro na frente dos bois e fazer papel de juízes. Quem somos nós para avaliar atitudes extremas de pessoas visivelmente doentes? Quando ocorre algum crime de comoção pública, como os que citei acima, imediatamente ressucitam-se assuntos como maioridade penal, proibição de armas, bullying… mas ninguém chama a atenção que, em se tratando de saúde mental, o Estado faz vistas grossas. Temos andando por aí os alcoólatras, os dependentes químicos, os esquizofrênicos, os depressivos… todos soltos nas ruas, porque não há médicos ou locais o suficiente para tratá-los. Em casos extremos, a família que não consegue vaga em hospitais públicos acorrenta seus doentes em casa. E vão presas, acusadas de cárcere privado.
As demais pessoas fingem que os doentes mentais não existem. Só quando acontece alguma tragédia.
É bom deixar claro que há os maus e ambiciosos, como a moça que matou os pais para ficar com a herança. Mas também há os psicóticos. Cabe os médicos separar uns de outros, não nós.
Vocês já estiveram num hospital psiquiátrico? Num hospital-dia? Num manicômio judiciário? Estamos habituados ao estereótipo de gente maluca, de camisolão, gritando, babando ou achando que é Napoleão. Mas boa parte dos internos são pessoas que, andando nas ruas, em nada diferem das demais. São como você e eu. Já estive em contato com pacientes assim e muitas se articulam com clareza até acima da média! Mas são doentes da alma, de comportamento imprevisível. Num dia tomam café na mesa com você, conversam sobre o tempo, comentam os jogos da rodada e — bingo! — participam de redes sociais. No outro, matam criancinhas ou jogam bebês no lixo.
Em vez de perder tempo e gastar dinheiro repetindo um referendo de poucos anos atrás, concentremos nossos esforços nos doentes psiquiátricos e dependentes químicos. A vida moderna só faz aumentar o número de pessoas com uma bomba-relógio dentro da mente.